terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Rincão do Soturno





























































Em 2017, meu amigo Escobar Nogueira me convidou a fotografar um conjunto de poemas seus para um ensaio poético-fotográfico a ser exposto em dois eventos literários. Um dos poemas se passava num jogo de bocha, e demorei a descobrir uma cancha tradicional, de chão batido e sob telheiro, que corresponderia ao imaginário evocado no poema e ao meu próprio imaginário do esporte. Assim cheguei ao Rincão do Soturno e conheci o seu Honório, dono do estabelecimento. Mas para a foto cheguei tarde: o próximo jogo seria dali a duas semanas, os eventos literários eram iminentes e o poema teve que dar lugar a outro. Entretanto, aceitei o convite de seu Honório para um almoço, o encerramento da temporada do grupo de bocha deles. “Vai ter costelão”, ele disse. 

Dezenove de novembro de 2017, um domingo. Estamos a apenas sete quilômetros do centro de Santa Maria, mas o cenário é totalmente rural. A Cancha do Honório fica na beira da estrada de terra, que não é uma estrada, mas uma rua: Rua Cecília Silveira. Chego às nove horas e, afora os churrasqueiros e as cozinheiras, sou um dos primeiros. Aos poucos vêm os outros, vamos conversando, vou descobrindo quem são: todos moram ou nasceram nos arredores, todos se conhecem desde sempre, sabem as histórias uns dos outros, a maioria tem laços de sangue, jogam ou entendem ou no mínimo apreciam a bocha. Na verdade, o jogo mesmo só começa depois do almoço – do inesquecível costelão, diga-se; antes, são o baralho, a sinuca, as conversas, os aperitivos, muita cerveja, crianças correndo, cães e gatos. Ouço, entre tantas outras histórias, a da Cecília Silveira, que dá nome à rua: viúva, era leiteira, produzia e comprava ali no Rincão do Soturno e no Campestre e vendia no Itararé, ia numa carroça puxada por um cavalo velho, manso, paciente, que sabia o caminho de volta para casa e assim o percorria no seu passo velho, manso, paciente, enquanto a dona cochilava com o chapéu de palha protegendo o rosto do sol. 

A bocha é o ponto alto, naturalmente. Envolve todo mundo. Jogam homens e mulheres de todas as idades; só não jogam as crianças, que ficam em volta assistindo e torcendo. Bocha de raiz: chão batido, esportistas de chinelo de dedo, esportistas fumando e tomando cerveja, alguns bem barrigudos, tudo muito sério e ao mesmo tempo festivo. E tudo se somando a revelar que aquelas pessoas não estão ali apenas pelo esporte: muito aquém, são parentes, amigos e vizinhos que se reúnem para celebrar a família, a amizade, a boa vizinhança, que se reúnem e comem, bebem e riem para celebrar simplesmente a vida.

6 comentários:

  1. Lindo trabalho, Léo! Obrigado por compartilhar.

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  2. Talento e sensibilidade se misturam resultando em arte e excelência! Uma obra de arte!

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  3. Talento e sensibilidade se mesclam em uma verdadeira obra de arte.Parabéns!

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  4. LEONARDO FAZ JUS A SEU NOME EXERCENDO DIVERSAS ARTES. TROCANO A CANETA PELA MÁQUINA FOTOGRÁFICA, ENCONTRA OS PERSONAGENS DA VIDA REAL A SUA VOLTA.
    ELE OS PERCEBE. MARIA CARPI

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  5. A arte de Leonardo Brasiliense faz com que o trivial se torne estranho; nestas últimas fotos, ele mostra isso: mulheres e homens dedicados aos seus afazeres quotidianos transformam-se em figuras épicas a lidarem com o destino, num jogo de tudo ou nada com a vida. São seres que parecem pertencer a um universo exclusivo a que somos convidados a observar e, ao mesmo tempo, partilhar experiências. Vejam o poder de uma lente quando, por detrás dela, há um temperamento sensível e, principalmente, solidário. Parabéns, Leonardo, cada vez melhor!
    Abraço, Luiz Antonio de Assis Brasil

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  6. Excelente trabalho, fotos fantásticas! Parabéns, Leonardo Brasiliense Júnior!

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